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Imagens: Mariana Alves

E por trás dos palcos e microfones?

Para além da imagem de diva imaculada que muitas mulheres possuem na indústria musical nacional e internacional, as mulheres acontecem na música não somente em cima dos palcos tomando a frente de bandas. Elas estão também nas cabines de mixagem, na construção de palcos, na iluminação, na engenharia de som, composição, produção e tantos outros papéis indispensáveis na construção do show business. 

 

O levantamento “O que o Brasil ouve? Edição Mulheres na Música”, realizado pelo ECAD em 2021 traz alguns dados que refletem a desigualdade ainda latente na indústria. Mesmo com algumas crescentes nos valores, a predominância ainda é masculina nos ganhos por direitos autorais e na base de filiados do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição. Por outro lado, os avanços acontecem aos poucos e, na última década, foi registrado um aumento de 1.200% na quantidade de titulares do sexo feminino cadastradas na base de filiados. Em 2011, eram 27.653 mulheres, enquanto em 2021 o número saltou para 385.940. Ainda assim, os homens continuam representando 85,1% da base de titulares. Quando analisadas por categoria as 385.940 mulheres totais, 365 mil são autoras, aproximadamente 43 mil intérpretes, 37 mil músicos acompanhantes, 12 mil produtoras fonográficas e apenas 298 editoras. O relatório ainda apontou uma queda preocupante de 8% na participação das mulheres na autoria de obras musicais, ressaltando uma construção histórica na qual o protagonismo é sempre masculino. 

O ECAD é, no Brasil, a entidade responsável por arrecadar e distribuir os direitos autorais para todos os artistas creditados em trabalhos musicais. 

Pensando em mudar esse cenário e fortalecer o trabalho de mulheres de diferentes categorias da música, existem projetos como o Women’s Music Event, uma plataforma de música e negócios dedicada ao protagonismo feminino, que trabalha com mentorias, premiações, workshops, banco de profissionais e um selo musical próprio, o selo IGUAL, que busca a equidade de gênero convidando casas de shows, festivais e outras iniciativas da música a terem pelo menos 50% de suas equipes compostas por mulheres e pessoas trans ou não-binárias. 

Nesse sentido, o projeto TREINAM, acrônimo para Turma Remota de Ensino Imersivo para Artistas Mulheres, desempenha um papel ativo na qualificação de mulheres que buscam autonomia e protagonismo na música. A ideia do projeto é, não só levar conhecimento teórico e técnico para essas mulheres, como também montar uma rede de conexões e apoio para impulsionar o trabalho de cada uma delas. “Pensamos em criar uma linha do tempo mesmo. Começamos com ferramentas para a pessoa se entender, uma análise SWOT, para analisar o seu momento e quem você é, quais são seus objetivos e onde você quer chegar, e a partir disso vamos construindo”, explica Izabel Muratt, uma das seis idealizadoras do projeto. 

 

O TREINAM foi idealizado por Julie Souza, baterista, empreendedora cultural, educadora musical e produtora, em parceria com mais quatro mulheres de longa caminhada na música: Izabel Muratt, Nathália Moura, Isis Correia e Dride. O projeto surgiu ainda durante a pandemia, em 2020, e já orientou mais de três turmas de mulheres talentosas e determinadas que buscam trilhar uma carreira na música. “É muito bacana ver a diferença que faz na vida dessas mulheres, a gente vê como elas crescem. No começo muitas não sabem para onde ir, que caminho seguir, e depois do treinamento elas saem voando. É um projeto que fazemos na raça, não tem incentivo e nem patrocínio”, explica Izabel. 

 

A produtora artística, executiva e curadora musical, Izabel Muratt começou sua jornada na música em 2013, quando após se formar em administração de empresas, ela foi para Londres fazer um mestrado em empreendedorismo musical, cultural e criativo. A experiência internacional mostrou a ela que a música era o caminho que estava no seu coração desde criança, e era isso que ela deveria seguir também em seu profissional. 

A produtora começou com alguns trabalhos em eventos, realizando curadoria e produção, até entender que seguiria nesse caminho profissionalmente. Desde então, Izabel trabalhou com artistas de inúmeros segmentos, foi empresária de cantores, planejou turnês, trabalhou com orquestras, passou com artistas pela Europa e produziu shows em casas icônicas, como o Carnegie Hall, em Nova York, nos Estados Unidos. Há sete anos, ela trabalha como produtora artística de Tiago Abravanel, enquanto se dedica também a outros projetos no âmbito da música, como é o caso do TREINAM. 

 

“Nós fazemos o personal branding, falamos sobre produção artística, produção executiva, trazemos profissionais de fora para conversar com elas. É muito bacana porque dá uma visão geral do mercado para elas se situarem”, Izabel explica sobre o conteúdo do treinamento. 

Ensinar, empoderar e dar voz à essas mulheres é o que tem feito a jornalista, radialista e pesquisadora Patrícia Palumbo, que apresenta o programa Vozes do Brasil na Rádio Cultura há 25 anos. 

Para ela, o trabalho do jornalista na música consiste em fortalecer o mercado, interpretando as transformações e saindo a frente para identificar as promessas e entender as tendências que cercam o cenário.

Patrícia Palumbo para o Som de Rosa Choque
00:00 / 06:13

Imagens: Mariana Alves

É devagar, mas vamos chegar lá

Quando falamos sobre as áreas técnicas da música e a predominância no backstage, todas as entrevistadas são unânimes em dizer: a maioria ainda é masculina. "Tem muita mulher boa em todas as áreas, mas de fato ainda é um mercado majoritariamente masculino. Principalmente na área técnica, acho que ainda tem muito essa cabeça de que é trabalho para homem né, são esteriótipos", Izabel comenta. 

 

Para Ina, o processo foi delicado até encontrar seu lugar na música, visto que ela não enxergava muitas mulheres nos espaços que queria ocupar. "Eu não via tantas produtoras mulheres, não via professoras. Eu tive duas professoras de canto. Uma professora e uma fono, mas todos os outros foram homens, então desde o ensino já era difícil ver mulher. Hoje graças a Deus tem muitas bandas que o artista preza por ter mulheres musicistas ali, né? Mas é um ambiente que sempre foi extremamente machista", a cantora e professora afirma. 

 

Augusta Barna, mesmo ainda aos 20 anos de idade e uma carreira recém-lançada, já sente na pele não somente os efeitos da desigualdade de gênero, como também a desigualdade racial. "Eu acho que se eu fosse branca, eu poderia estar em outro lugar. Esse é um ponto, para mim, que é mais sensível do que ser mulher nesse mercado hoje", explica Augusta. "Mas eu me faço ser ouvida. Eu sou essa pessoa", conclui. 

 

A estrada é longa, mas o caminho também já está traçado e começa aqui. A mudança nasce a partir do desejo de mudar e das ações para ver a mudança acontecer. Estamos aqui para ver, ouvir e passar a mensagem adiante, fortalecendo as vozes, a identidade e o mercado feitos e fortalecidos por uma rede de mulheres que tem muito a dizer - e que continuarão amplificando suas vozes para serem ouvidas.

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