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"Música é uma palavra que está no substantivo feminino"
- Mainara Guimarães

Imagens: Mariana Alves

O frescor na Música Popular Brasileira

A discussão sobre uma Nova Música Popular Brasileira vem se intensificando nos últimos 10 anos com a ascensão de uma nova geração de artistas que constroem suas identidades próprias e falam dos mais variados assuntos em seus trabalhos. Essa nova geração, entretanto, surge em um momento em que os artistas mais antigos da MPB ainda estão em atividade, lançando novas músicas e subindo ao palco em turnês que atravessam o país. Por isso, o debate do frescor da Música Popular Brasileira hoje se concentra em entender que não é necessário estabelecer rótulos e definir padrões, porém, é importante entender os conceitos que envolvem um movimento para efeitos de registro histórico para o futuro da música. 

 

“A música vai se modificando com o tempo. Por exemplo, a Tropicália. Por que esse nome? O que definia esse movimento? Eu penso que a gente não deve colocar a música dentro de uma caixa, mas os rótulos têm que surgir para explicar os acontecimentos históricos de cada momento”, é o que defende Ina. 

 

A Tropicália, ou Tropicalismo, como exemplificado, buscou revolucionar não somente o cenário cultural, mas também o cenário político de censura imposta pelo período da Ditadura Militar. Esse movimento de contracultura predominante no fim da década de 1960 buscava distanciar a música brasileira da bossa-nova, incorporando a ela algumas características mais populares, com influências de rock, pop e elementos internacionais às brasilidades da música da época. Estavam à frente deste movimento artistas como Gal Costa, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, Nara Leão, Rita Lee e diversos outros. 

"Tudo começa quando a gente para pra escutar uma a outra e passar a bola uma para a outra"
- Zélia Duncan

Imagens: Mariana Alves

Zélia Duncan e Julia Mestre em apresentação no Tranquilo SP. Agosto, 2023. Imagens: Mariana Alves

"A música é nossa patroa. Ela que manda, nada vem do nada"

Hoje, quando os novos artistas buscam referências e estudo na música, as nomenclaturas ajudam a entender a identidade reforçada na época. “Não que isso vá definir uma forma certa de fazer música, um ritmo certo. A gente tem muita coisa pra descobrir. Acho que isso acaba acontecendo querendo ou não, pra explicar o momento histórico. Daqui alguns anos, a próxima geração vai estudar essa música de hoje”, Ingrid reforça. 

 

A construção acontece hoje sob os olhares e ouvidos atentos de uma nova geração que também acompanha de perto as mudanças cíclicas da música, e que encontra nessa arte um tipo de refúgio para pensamentos e sentimentos. Nesse sentido, o cenário atual abre espaço para inúmeras manifestações, e nessas, as mulheres têm se destacado quando falam abertamente sobre amores, angústias, sensualidade, medos e alegrias. Quando elas cantam, muitas outras delas ouvem, e isso fortalece todo um movimento de escuta ativa que enriquece cada dia mais a indústria fonográfica brasileira. “Acho que é muito sobre a gente ter compreensão desses sentimentos… De como é estar no mundo, sempre se colocando à prova e, principalmente, tentar criar uma barreira de força”, é o que sugere a cantora Julia Mestre.

Muito da construção da identidade da música brasileira hoje vem da vontade das artistas de falarem tudo aquilo que sentem que deve ser falado. “O meu rolê é cantar minha narrativa, as coisas que eu vi, vivi e decidi que eu tinha que falar”, comenta Augusta Barna. “Eu sou uma pessoa que eu me faço ser escutada”. 

Imagens: Mariana Alves

A música e o corpo

Pensando em como a música conversa com o ouvinte e constrói sua identidade também a partir dessa relação, a socióloga, pesquisadora musical e cantora Mainara Guimarães explica que o primeiro impacto da música em uma pessoa é considerado até mesmo físico, levando o corpo pela vibração sonora em um primeiro momento. “A música tem uma coisa que ela balança, ela toca no nosso corpo através da vibração. A estrutura instrumental é capaz de gerar esse movimento mesmo”, ela explica. 

 

Após esse contato de contágio imediato, as camadas da recepção da música pelas pessoas aumentam gradualmente, da forma que faz mais sentido para cada indivíduo em sua realidade. “Você tem muitas vezes as letras ou as melodias que vão te levando para experiências, que vão se conectando com a sua identidade, com a sua história, com momentos, lugares e coisas que você acredita. A música também é uma ponte de memorização e produção de memórias, é como se fosse um marcador temporal. E não que os gêneros sejam algo encaixado, mas eles acompanham essas tendências sociais e históricas da época”. 

Mainara Guimarães é educadora, musicista e pesquisadora musical. Ela nasceu e cresceu na periferia de Guarulhos, onde desde cedo teve contato próximo com a música, ouvindo os CDs que seus pais guardavam nos tempos em que eles saíam para trabalhar e ela buscava uma companhia dentro de casa. "Além de me maravilhar com as instrumentações e tudo mais, eu gostava de pegar as letras que ficavam nas cartilhas e isso ajudava em um processo de memorização", Mainara relembra. 

 

Ainda criança, ela lembra de ouvir "Fascinação", interpretada por Elis Regina, e se emocionar, mesmo que ainda não dispusesse de tanta compreensão de seus sentimentos e dos significados da letra. "Eu não sei o que tocou aquela criança Mainara, mas eu fiquei muito tocada e eu chorei porque eu achei aquilo a coisa mais louca e linda do mundo", ela reflete sobre o poder da música nas emoções das pessoas – não importa a idade. "Acho que a Elis me transpassou porque ela é uma voz muito performática, né? Então isso bateu muito forte para mim e, a partir daquele momento, a música começou a virar uma coisa muito forte e muito constante para mim".

 

Quando ganhou seu primeiro violão de presente de seu pai, a jovem foi atrás de aprender sozinha os básicos do instrumento e, antes de se tornar cantora profissional, ela se concretizou como violinista. Quando ganhou uma oportunidade de bolsa de estudos ao vencer um campeonato de uma escola de música, Mai passou a obter conhecimentos básicos de teclado e caminhou para ampliar seu escopo dentro da música. 

Hoje, Mainara atua como educadora social, pesquisadora, instrumentista e cantora na sua banda Entalpia, a qual divide com Icaro Duarte e Leo Sales. Ela atua também na área de eventos, com parceria em uma assessoria de casamentos LGBTQIA + e promovendo festivais regionais que fortaleçam os trabalhos de artistas independentes com encontros regados a música. "Eu costumo falar que não tenho muita pretensão de fama. Tenho pretensão de conexão com as pessoas, de estar ali para conectar de alguma forma, trazer uma mensagem que gere curiosidade e movimente conversas", ela conclui. 

​"Cada vez mais mulheres se colocam nessa posição de musicistas, produtoras e participantes de todo o processo que faz a roda da música girar"

Mainara Guimarães em entrevista para o Som de Rosa Choque.

Imagens: Mariana Alves

A identidade se faz em comunidade

Os encontros que buscam valorizar o trabalho de artistas independentes são uma realidade cada vez mais fortalecida dentro do cenário nacional. Belo Horizonte e São Paulo, por exemplo, recebem semanalmente o Tranquilo, que se apresenta como "um rolê de descoberta, um palco apaixonado pelas conexões e pela música livre". A ideia do rolê é ser um evento secreto, que semanalmente ocupa espaços diferentes nas capitais, abrindo espaço para artistas apresentarem seus trabalhos em um encontro onde todo o público se conecta pela música. Sentados no chão, os apreciadores da música comparecem ao Tranquilo com ouvidos e corações abertos para apreciar os trabalhos apresentados. Já passaram pelo palco do evento nomes como Jairo Pereira, Hotelo, Amanda Coronha, Ana Gabriela, Paulo Novaes, Jards Macalé, Duda Brack, Julia Mestre, Zélia Duncan e muitos outros. 

Fernanda Porto foi uma das artistas que já teve seus trabalhos autorais apresentados no palco do Tranquilo SP. Cantora, compositora e produtora musical, a artista começou sua trajetória produzindo músicas eletrônicas e trilhas sonoras, focada em produção musical. Com oito discos lançados desde 2002, entre coletâneas ao vivo e álbuns de estúdio, a cantora traz em suas composições as suas vivências próprias, sentimentos e histórias que carrega com ela, usando de elementos de brasilidade para compor as melodias carregadas de referências a diversas artistas brasileiras, como Gal Costa, sua principal inspiração. 

"Eu acho que hoje é muito natural as mulheres serem multi artistas, sabe? Serem produtoras, compositoras, autoras e poderem falar das suas dificuldades, dos seus amores e tudo que quiserem", pontua Fernanda.

Fernanda Porto em entrevista para o Som de Rosa Choque.

Imagens: Mariana Alves

Elas no showbiz 

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